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E se a vida de uma pessoa pudesse ser contada em 11 pequenas histórias? Os melhores e piores momentos, não dispostos em ordem cronológica, mas na hierarquia das lembranças? É exatamente o que faz a prestigiada Margaret Atwood no romance Transtorno moral: a autora perpassa 60 anos da vida ácida e encantadora de Nell, uma mulher que não sabe muito bem quem é ou que deseja ser, em 11 contos relacionados entre si. Protagonista e por vezes narradora, Nell conta sua infância, o nascimento da irmã Lizzie, o casamento com Tig, a maturidade e os cuidados com a mãe doente, sempre alternando os pontos de vista sobre si mesma: ora recusando a intelectual que projetou, ora a herança mundana do caráter dos pais. Em comum, as histórias são pontuadas pela memória de livros aleatórios que marcaram a vida da personagem. No conto “A arte de cozinhar e servir”, por exemplo, Nell comenta que, aos 11 anos, este livro de receitas, na verdade uma brochura promocional de uma confeitaria, era seu livro preferido. Os conselhos sobre o comportamento da dona de casa a encantavam particularmente: “Com paciência, bondade e senso de justiça”, ela me afirmou, “pode-se transformar uma moça desmazelada e inexperiente numa criada bem-vestida e profissional. A palavra que eu me agarrei foi transformar. Será que eu queria transformar ou ser transformada? Viria a ser a patroa bondosa ou a criada desmazelada?”, atesta a narradora-personagem, dando início, ali, à formação de seus ideais feministas, que a acompanhariam pela vida. O caráter autobiográfico de Transtorno moral é notável, ainda que não seja evidente. Apesar do último capítulo assumir claramente um tom confessional, (“Os garotos no laboratório”) e da dedicatória do livro dar alguma pista (“Para minha família”), Margaret não deixa claro o quanto de si mesma deixou em Nell – o que torna a leitura ainda mais instigante. Vale lembrar que o título original da obra, Moral Disorder, foi tomado do livro que o marido de Margaret, o também aclamado escritor canadense Graeme Gibson escrevia em 1996, quando decidiu abandonar a literatura.