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Em um apartamento na Vieira Souto, tendo diante de si uma tela de computador e mais ao fundo o mar de Ipanema, o narrador de Heranças passa em revista seu passado de hábil empresário e sedutor compulsivo. Construído com destreza pela pena de Santiago, o relato é conduzido com lentidão e cinismo, pois só assim poderia dar conta das peripécias — melhor dizer negociatas — da alta burguesia brasileira nos últimos setenta anos.
Walter, o herdeiro, é o filho do abastado e avarento dono de um armarinho de Belo Horizonte, um descendente da alta burguesia que enriqueceu ao longo do século XX. Após o falecimento do pai e a obscura morte da irmã em um acidente de carro ao lado do amante, pipoqueiro e corcunda, Walter toma posse dos bens da família. Ambicioso e galanteador, o protagonista se lança de vez à promiscuidade dos negócios escusos, da política do favor e da alta rotatividade sexual.
Walter encarna perfeitamente a verve radiante e amoral de uma parte do poderoso empresariado brasileiro. Embora sua falta de valores choque, o carisma e a visão crua da vida que demonstra rendem tiradas cômicas do quilate de "A honestidade no caráter é consequência da falta de largueza de Nossa Senhora dos Partos na confecção da genitália masculina” e “O homem é pulha até na hora da chalaça".
Através deste personagem, Silviano Santiago toma um caminho inesperado dentro da ficção brasileira contemporânea, expondo aspectos do caráter da burguesia nacional até hoje pouco abordados. O autor retoma a tradição cínica e jocosa que vem do realismo de Machado de Assis e o melodrama de Nelson Rodrigues, em obra que se desdobra entre o humor e a amargura.