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Uma lenda é verossímil? Sim, porque assim o povo quer que seja. De pai para filho, de mãe para crianças, é transmitida uma fabulação de maravilhas que estão atrás da História. Como ao redor de uma fogueira em noite escura, conta-se em voz sussurrante um ao outro o que, se não aconteceu, poderia muito bem ter acontecido nesse imaginoso mundo de Deus. E assim oralmente se escreve uma literatura plena e suculenta, em que o espírito secreto de todo um povo vira criança e brinca de “faz de conta. Brinca? Não, é muito sério. Pois o que é que pode mais do que um sonho?”. Com essas e outras palavras, belas e certeiras, Clarice Lispector reflete sobre a riqueza e a importância das histórias da cultura popular no texto “A força do sonho”, que abre a nova edição de Doze lendas brasileiras.
Escrito em dezembro de 1976, o texto foi incluído no calendário em que os contos foram publicados originalmente, em 1977, e permanecia inédito em livro. O livro reúne histórias do folclore nacional, uma para cada mês do ano, recontadas por uma das maiores escritoras do século XX. A história que dá nome ao livro, por exemplo, conta como, em uma aldeia indígena, travessos curumins deram origem a “gordas estrelas brilhantes”. A certa altura, diz Clarice: “Aconteceu uma coisa que só acontece quando a gente acredita” e segue contando a bela lenda dos indiozinhos que subiram ao céu em cipós amarrados pelos colibris para fugir da bronca das mães. Ao longo das páginas, lendas indígenas e personagens folclóricos como Pedro Malazarte, Saci-pererê e Negrinho do pastoreio ganham nova vida pela escrita de Clarice, que dialoga com os pequenos com naturalidade e sagacidade de janeiro a dezembro. Para o último mês do ano, aliás, a escritora reservou “Uma lenda verdadeira”, em que conta, com uma linguagem colorida de esperança, a história do nascimento do menino Jesus.