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Dentaduras duplas emolduram a boca de Antonio de Albuquerque e Silva, engenheiro aposentado do Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER). Viúvo há pouco tempo e sem filhos, ele mora sozinho em um casarão no bairro carioca das Laranjeiras. Pouca coisa lhe resta. Depois da morte da mulher, com quem viveu uma relação marcada pela insipidez, ele passa os dias à espera do fim iminente.
Antonio é o protagonista desta potente obra de Silviano Santiago. Como notou o escritor José Castelo, “é de cócoras que, nos ambientes antigos, os homens se acomodavam para fumar, remoer o passado, resmungar, numa atitude que ignora o tempo”. É nessa posição que Antonio se encontra diante da vida, curvado pelo peso da consciência da banalidade e do rápido esgotamento de sua trajetória no mundo.
Ainda de acordo com Castelo, em De cócoras, Silviano Santiago “celebra o corpo, suas sujeiras, tremores, decadência. Perfura a placidez do leito, fazendo dele um parceiro”. Recostado em uma cadeira de balanço em seu quarto, Antonio traz no pulso um relógio quebrado que já não marca as horas. O dia divide-se de acordo com as gradações da luz que entra pela janela. O presente é uma bruma por onde entrevê cenas do passado rememoradas a esmo. A única companhia que lhe resta é um irmão mais velho, um homem triste com quem nunca conseguiu ser afetuoso, e os anjos com quem Antonio conversa.