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Em um dos 35 textos compilados em A tenda, Margaret Atwood expressa repulsa por suas fotografias: "Chega de sombras de mim mesma impressas pela luz em pedaços de papel (...). Eu sofro com minha própria multiplicidade." Mas isso é pura ficção. Porque é justamente a multiplicidade dessa escritora canadense que fez dela uma grande dama das letras. Quase todas as diversas facetas de seu talento estão contempladas neste livro, que reúne trabalhos inéditos ou que tinham sido publicados apenas em jornais, revistas ou pequenas antologias independentes. Aqui estão seus contos, sua ficção científica, sua poesia, sua prosa poética, suas fábulas modernas, seus ensaios ficcionais e seu surrealismo. O que dá coesão a tudo isso são aqueles temperos tão característicos de sua obra consagrada: o olhar feminino, a ácida crítica social, o humor mordaz, a sensibilidade em ver o mundo por pontos de vista inesperados, a construção de imagens inusitadas, as reflexões sobre o eterno embate entre o homem e a natureza. E a escritora ainda assina as ilustrações do livro. Margaret Atwood apresenta o leitor a um país cujo único recurso natural é o otimismo; mostra que o céu dos gatos é o inferno dos homens, porque Deus gosta de manter o universo equilibrado; fala de Horácio, o homem que, vítima de um bloqueio criativo, perdeu para Shakespeare o privilégio de contar a história de Hamlet; teoriza sobre como o tempo encolhe à medida que passa, como um acordeão que se dobra; reflete sobre o melhor e o pior da Humanidade ao criar um personagem milionário que paga pelo privilégio de comer um milagre da ciência, um clone de lobo-da-tasmânia. Suas ideias afloram com riqueza incomum. Algumas até teriam fôlego para render um romance inteiro. Não é à toa que um dos textos incluídos neste livro se chama Três romances que não escreverei tão cedo. Um dos textos mais encantadores de A tenda é o poema Os animais rejeitam seus nomes e as coisas retornam às suas origens. Nesta pequena maravilha, um urso rejeita os muitos nomes que lhe são atribuídos pelos homens: urso, tapete, troféu, casaco etc. Sua revolta inspira os outros animais a fazerem o mesmo. Daí, as palavras vão deixando de existir, as páginas dos dicionários começam a se soltar, o tempo perde velocidade e inverte a marcha – suéteres se desmancham e voltam a ser novelos de lã; as mulheres jogam fora seus sapatos de crocodilo, antes que os antigos donos do couro voltem para reclamar o que lhes pertence; violinos voam das mãos dos músicos e retornam às florestas de onde tinham saído; chaves de carro e cortadores de grama mergulham como peixes metálicos de volta às minas. E assim tudo retrocede, até o desaparecimento de Adão, o homem original.